28 de mar. de 2011

O direito à verdade

A discussão sobre a pertinência da instauração, neste momento, da Comissão da Verdade se dá sob equivocado foco. A preocupação maior deve ser, ou pelo menos deveria ser, a efetiva garantia de informação aos parentes das vítimas sobre o paradeiro de seus queridos entes, muitos dos quais sumariamente executados pela ditadura militar que dirigiu o Brasil entre 1964 e 1985.

Por que a necessidade de informar a sociedade sobre o destino dos mortos pela ditadura militar está sendo encarada sob a ótica dos acusados e não sob a ótica das vítimas? Deve-se esclarecer de uma vez por todas que não se trata, como querem fazer crer alguns, de mero revanchismo. Não! O que se espera é a obediência do Estado brasileiro às garantias fundamentais, consagradas na Magna Carta, dos cidadãos que até hoje sofrem com a falta de informação sobre o paradeiro de seus parentes. A abertura dos arquivos da ditadura militar é uma questão de respeito aos direitos humanos.

A Constituição federal de 1988 estabelece como fundamento do estado democrático de direito o respeito à dignidade da pessoa humana (inciso III, do artigo 1º). Dignidade é, por exemplo, saber o que aconteceu com um pai que sumiu nesse período. De modo que é dever do Estado, e não desse ou daquele governo, elucidar as obscuridades ocorridas durante a ditadura militar. É preciso que se dê transparência sobre os sinistros acontecimentos desse período, quando milhares de brasileiros e brasileiras sofreram agressões físicas, foram sequestrados, estuprados e torturados, muitas vezes até a morte, por agentes do "Estado". A ocultação dessas informações representa manifesta violação aos direitos humanos da própria sociedade brasileira, o que é inaceitável.

Não obstante o Estado brasileiro ser signatário de diversos tratados internacionais sobre direitos humanos, como, por exemplo, o Pacto de São José da Costa Rica (1969), recepcionados pela atual Constituição federal (artigos 1º, III, 4º , II e 5º e seus parágrafos), já transcorreram 26 anos desde a queda do regime militar ditatorial sem que seus arquivos fossem abertos. Por tais fatos, em novembro passado, o Estado brasileiro foi condenado no julgamento do caso sobre a Guerrilha do Araguaia, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

A quase totalidade da sociedade brasileira continua desconhecendo uma parte da história nacional que jamais deveria ser esquecida. E, para que não esqueçamos desse período sombrio, não se pode compactuar com a ocultação da verdade. O esclarecimento das mortes dos militantes de esquerda e demais vítimas do regime de exceção, principal objetivo da Comissão da Verdade, servirá como verdadeira conciliação da sociedade brasileira, em especial para os militares, cuja imagem continua manchada desde o fim da ditadura.
Logo, os militares deveriam ser grandes interessados na abertura dos arquivos da ditadura, a fim de que se desfaça qualquer vínculo entre aqueles que cometeram atrocidades em nome da "democracia" e a atual geração de militares.

É inconcebível a inexpressiva adesão da sociedade civil e da mídia em geral ao principal objetivo da Comissão da Verdade. Até quando mães e pais serão privados do direito fundamental de sepultar os restos mortais de seus filhos e filhas? Até quando os filhos e filhas desconhecerão o destino de seus pais?

Opor-se à Comissão da Verdade é opor-se à Constituição e, consequentemente, aos valores fundamentais escolhidos pela própria sociedade.

Texto de Mário Conforti

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