Alguns alimentos afetam o que você pensa e sente. É o que diz o neurocientista Gary Wenk em seu livro Your Brain on Food
por Guilherme RosaO órgão responsável por regular o consumo de alimentos, remédios e drogas nos Estados Unidos chama-se Food and Drug Administration (FDA). É dali que saem as decisões sobre o que um americano pode encontrar nas prateleiras da farmácia, do supermercado ou somente no mercado negro. Gary Wenk, professor de neurociência na Ohio State University, EUA, acha que as fronteiras entre essas categorias são muito mais tênues e espera que os agentes do órgão não estejam por dentro dos assuntos que discute em sala de aula. “Se soubessem, eles seriam obrigados a regular a venda de barras de chocolate.”
De acordo com Wenk, o doce contém um número grande de psicoativos. “O pó de cacau tem substâncias similares à cafeína, às anfetaminas e à maconha, além de liberar opiáceos no corpo”, diz. Em seu livro mais recente, Your Brain On Food (A comida no seu cérebro, sem edição no Brasil), o cientista mostra que não é só o chocolate — quase tudo que comemos, seja droga ou comida, tem efeito em nosso funcionamento cerebral. Ao longo da história, aliás, nutrientes e psicotrópicos se confundiram diversas vezes.
Em cada ocasião que o café surgia numa determinada cultura, era bem recebido como alimento. “Depois, passava a ser visto com temor pelo seu efeito estimulante e políticos mandavam fechar casas de café”, diz Wenk. A diferença está baseada em fatores culturais. Tanto que sensações de prazer, de relaxamento, de euforia e até alucinações podem vir quando ingerimos alimentos comuns, do dia a dia, como açafrão ou erva-doce, que contêm substâncias capazes de mudar nosso estado psíquico, por exemplo. “Ao estudar como esses químicos interagem com o comportamento humano, podemos manipular nosso humor e até desvendar o funcionamento do corpo.”
Nosso cérebro tem pelo menos 100 neurotransmissores circulando entre suas
diversas áreas. São substâncias cuja função é ligar os diversos neurônios em atividade, passando as mensagens que precisam ser transmitidas para o resto do corpo. Dependendo do neurotransmissor a mensagem pode ser: acorde, se mexa, salive, urine, lembre, alegre-se.
Se os químicos presentes na comida afetam nosso comportamento, é justamente porque interagem com esses neurotransmissores, aumentando ou cortando seus efeitos. Isso só acontece porque seres humanos e vegetais (e todos os seres vivos, na verdade, já que tivemos um antepassado comum, o mesmo organismo unicelular) dividem a mesma história evolutiva. As bananas ainda verdes, por exemplo, contêm serotonina, o mesmo neurotransmissor encontrado em nosso corpo. “Quando comemos a banana antes de amadurecer, ela acaba interagindo com receptores de serotonina que temos no intestino, causando diarreias”, diz. Uma picada de inseto só causa algum estrago porque o veneno tem a ver com algo que também é encontrado em nosso corpo. “Se viajássemos para outro planeta e fôssemos picados por alguma criatura desconhecida, não nos aconteceria nada, porque não temos um passado comum.”
Claro que tudo tem a ver com quantidade. “É uma questão de dose. Se comermos o suficiente de determinado alimento, haverá uma consequência”, diz Wenk. Um bom exemplo é a noz-moscada, usada como tempero. Na quantidade que consumimos, normalmente é inócua. “Mas se você comer uma inteira, alucinará por dias”, diz. Esse é um exemplo extremo de um alimento que age em um neurotransmissor conhecido como dopamina. Ele é responsável por nos fazer sentir prazer em atividades como o sexo e alimentação. É por isso que, em quantidades médias, dá uma sensação de euforia. O mesmo princípio vale para várias outras comidas (veja quadro abaixo).
Até mesmo uma substância aparentemente inocente como o leite causa suas a
lterações em nossa percepção. Nosso intestino converte alguns de seus componentes em opiáceos, tipo de substância presente na morfina e na heroína. Sua função no nosso corpo é regular a sensação de dor, causando euforia e prazer quando em grandes quantidades. O livro explica que temos uma barreira entre o intestino e o sangue, e também outra entre o sangue e o cérebro, que acabam bloqueando a ação de boa parte desses químicos.
Entretanto, em crianças abaixo de dois anos de idade, essas barreiras não estão completamente formadas. Entre os recém-nascidos, beber leite acaba gerando uma experiência parecida com a da heroína. “A recompensa é tão boa que a criança quer voltar a mamar de novo e de novo. O que é bom, acaba garantindo sua sobrevivência”, diz Wenk. Se nosso próprio corpo tira vantagem das características psicoativas de nossa dieta para aprimorar a sobrevivência, por que não fazer o mesmo conscientemente?
Conhecer essas características pode, inclusive, nos ajudar a prevenir os efeitos ruins do envelhecimento e doenças degenerativas, como o mal de Alzheimer. Pesquisas indicam que pessoas com o risco genético da doença, se comerem muitos derivados de leite, têm mais chance de desenvolvê-la. “Mas, se beberem um pouquinho de álcool todo dia, como uma ou duas latas de cerveja, o risco diminui”, afirma o neurocientista. O risco também é reduzido se comermos menos, já que metabolizar a comida produz resíduos que, em excesso, aceleram o envelhecimento do cérebro. “Se meu livro é sobre comida no cérebro, essa é a sua antítese: consumir o mínimo possível de calorias por dia é o melhor que você pode fazer por ele.”
Para Wenk, a comida pode nos fazer mal ou bem, nos deixar alegres ou tristes. Já escolhemos, inconscientemente, quais químicos irão agir em nosso cérebro. O que pode melhorar é estarmos no controle consciente desse processo. No dia em que deu a entrevista, Wenk comeu granola com leite no café da manhã, mas não dispensou uma dose de tequila à noitinha. “Tomo sempre, já que o álcool em pequenas quantidades serve para prevenir o Alzheimer.”
Retirado de: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI181010-17773,00-SEU+CEREBRO+TEM+FOME+DE+QUE.html
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